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Danúbia Jorge


(gosta muito também da imagem de ela sozinha na biblioteca durante a adolescência, nem bibliotecário tinha, era só ela mesma lá sozinha!)




DANÚBIA: Então, eu lembro que quando chegou o período de eu entrar na escola, lá no meu bairro tinha duas escolas públicas, né, e uma era considerada uma escola muito boa e outra era a escola fraca, e aí, quando chegou a época da minha matrícula, não tinha vaga na escola boa, só na fraca, aí aquela coisa “vai colocar a menina na escola fraca...meu Deus, que futuro que essa menina vai ter, gente!” Aí aconteceu o seguinte, minha mãe falou não, vamos esperar um pouco, vamos esperar alguns meses até surgir alguma vaga, e eu tava muito angustiada, porque eu queria muito entrar na escola, eu via as minhas coleguinhas da rua né, com uniforme e com a lancheira e eu achava lindo sair de lancheira, eu queria muito uma lancheira, aí aconteceu que minha mãe acabou me matriculando na escola fraca, né! Eu não lembro que mês que era mas, tava praticamente encerrando o primeiro semestre né, porque já tava aquele...nossa, você num vai logo colocar essa menina, ela vai perder o ano, né, tava ansiosa, né, e aí eu entrei nessa escola só que quando eu entrei eu já conhecia as letras, minha irmã também me ensinou as letras, né, e...eu aprendi a ler antes que todas as crianças que estavam lá desde o início do ano, e isso foi uma coisa assim que toda...nossa... a professora ficava "Meu Deus, ela já sabe ler!" aí ela chamava todo mundo, chamava a diretora...”Olha só como ela já lê” e no outro dia chamava outra professora, e ela sempre falava pra mim, “Nossa, você brilhou!” [RISADAS] eu lembro direitinho, é a primeira lembrança que eu tenho de ter orgulho de mim, sabe?! [Palavra de professora é forte, né?!] É tanto que até hoje eu ainda falo isso pros meus alunos, eu sempre falo Você brilhou! Porque eu lembro do impacto que isso teve em mim, né! E aí quando eu aprendi a ler eu lembro {pode contar aquela história que tem um palavrão?} [pode! risadas] Lá no muro de minha casa tinha uma palavra pixada, aí enquanto eu tava aprendendo as letras, nesse processo de juntar, n , formar as sílabas, eu via, eu reconhecia as letras só que eu não sabia que palavra era aquela, e aí um dia, meu pai me levando pra escola, eu olho pro muro e consigo ler a palavra, né, tava escrito buceta lá [risadas] daí eu falei, PAI! Tá escrito buceta!, [risadas] e meu pai não, tá escrito butina [mais risadas] e eu falei, não pai, eu aprendi, b-u é bu, é buceta, e meu pai, é butina sim! Eu pensei, tem uma coisa errada, porque eu tenho certeza [ô meu Deus!] e aí, quando eu... e é mágico, né esse processo de aprender a ler, porque de uma hora pra outra, você se descobre lendo! Um dia você tá assim juntando, b-u é bu e daí um dia você já sabe ler...e aí quando eu aprendi a ler e a professora chamou minha mãe pra me parabenizar, porque tava muito rápido, essa menina é uma estrela! Aí minha mãe, vou te dar um livro, e minha mãe chegou com um livro, chama...O bonequinho doce, e eu li esse livro acho que mais de cem vezes, gente. Eu li esse livro, toda hora eu lia esse livro, e era uma história tão triste, porque era a história de uma menininha e eu me reconhecia nela porque era uma menininha negra, uma menininha negra que queria uma boneca e os pais não tinham dinheiro, que que ela fez? Ela fez um bonequinho de açúcar, e aí ela brincava com aquele bonequinho e adorava aquele bonequinho só que um dia ela saiu na chuva com ele e ele desmanchou, nossa e é muito triste e eu chorava muito e eu lia sempre, e eu lia né...vou procurar esse livro, porque eu lembrei agora, eu quero ler de novo pra saber o impacto que é que eu vou sentir, né! Agora essa questão de...de leitura em casa, não tinha também, eu não lembro, é...as minhas avós eram analfabetas, né, a gente conviveu pouco também, eu convivi pouco com as minhas avós, sinto falta disso, porque parece que conviver com avô, né...te faz ser outra pessoa, né! E aí, eu lembro da leitura da bíblia porque minha mãe era, é evangélica até hoje e ela é a única coisa que ela lê, a bíblia, e aí ela lia pra mim a história do rei Davi, e eu gostava muito da história do rei Davi, da Arca de Noé, e tinha também a história do Apocalipse que me fazia fazer xixi na cama [risadas]. Nossa, não, minha mãe colocava a gente na cama e começava a ler o Apocalipse [risadas] se você não seguir o caminho de Deus, olha o que que vai acontecer, a besta vai aparecer, ela falava assim ó: “tem o arrebatamento, e aí como eu sou uma pessoa que aceitei Jesus, Jesus vai me levar, se você não aceitar também você vai ficar sozinha, e aí cês vão ser perseguidos [risadas. NOSSA!] [De Manifesto Comunista ao Apocalipse! Risadas, é quase a mesma coisa!] E eu tenho medo até hoje, gente, ás vezes eu tô fazendo alguma coisa e eu penso, será que eu vou pro inferno? Pode ser que eu vá pro inferno por causa disso aqui! [risadas] E aí a gente lia muito a bíblia em casa né, e ela me levava pra igreja e aí tinha a escolinha lá que as crianças ficavam, e a gente, tinha... perguntas e respostas sobre a bíblia e eu li a bíblia toda, eu já li a bíblia toda por causa desses testes né. E é uma leitura muito importante, eu acho a bíblia linda [ela é linda, muito poética, tem muita história bonita] Aquela parte lá de Eclesiastes né, sobre o tempo que nossa, é lindo né, tem tempo pra tudo. E...em relação à escola, né, não teve, nenhum professor que me marcou em relação à leitura, nenhum, e não tinha leitura não, eu não lembro de nenhuma professora parando pra ler um livro pra gente, né, e quando eu recebi os livros didáticos eu lia todos os textos, todos os textos que tinha no livro, e geralmente são só trechos, né, quando eu gostava muito do trecho, eu pedia pra minha mãe comprar e minha mãe seeempre comprava, ela nem questionava, eu falava eu quero esse livro e no outro dia ela aparecia com o livro, e ela e a gente sempre comprava nos sebos lá da Rua 04, né e assim eu tenho uma lembrança, uma memória afetiva com aqueles sebos e aí até hoje eu prefiro livro usado, que eu fico imaginando a história, quem será que leu, né? [por onde passou né!] Sempre tem uma dedicatória, às vezes têm umas dedicatórias tão lindas assim.. É, professor mesmo, né, importante no meu processo de leitura foi só na faculdade, na faculdade eu tive professoras excelentes, que no caso foi a Sueli de Regino, que foi com ela que eu comecei a me interessar por contos de fadas, né, já adulta, li os contos de fadas dos irmão Grim, procurei outros contos maravilhosos de outras culturas e assim é sempre muito importante, sempre que eu tô num processo assim de sofrimento, eu costumo voltar a esses contos, eu tenho até a tatuagem né, pelo amor que eu tenho por isso e...deixa eu ver aqui o que mais, bom é, no momento, são essas lembranças assim que, que me vêm. [mas b com u da bu c com e dá ce e t com a dá ta! Não é butina!] eu tenho certeza! [risadas] Butina não pai! [quase que ele interfere no seu processo...risadas]


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