Meu gosto por leitura começou cedo. Antes mesmo de aprender a ler e escrever. Não podia ver um livro, que já pegava e pedia para alguém ler. Até tentava me arriscar na leitura, mas aos 4 anos de idade isso ainda não era possível para mim.
Um dos dias mais felizes da minha vida foi quando tive a oportunidade de ir à escola pela primeira vez. A escola era o caminho mais próximo dos livros e de todas as aventuras que uma boa história poderia me trazer por meio da imaginação. Sou daquelas que perde a parada do ônibus por estar vagando em pensamentos.
Minha mãe, apesar do pouco estudo, foi minha principal professora, com ajuda dela, eu, aos 6 anos de idade, no dia 12 de junho, li com total consciência a primeira palavra: cacau. Daí por diante a leitura e a escrita já eram concretamente parte da minha vida. Antes disso, já conseguia decifrar algumas palavras, mas tratavam-se mais de “decorebas” do que de uma leitura propriamente dita.
Com uma imaginação muito fértil, já criança, me imaginava professora. Aos 8 anos de idade, a classe estava formada, meus primos e irmãos, ainda em fase de alfabetização, eram os alunos e eu a professora. Divertia-me lendo os contos de livros cedidos pelo colégio que estudava, eles eram os principais materiais na brincadeira de escolinha. Meus preferidos eram os livros com contos nordestinos ou poemas com rimas. Meu poema preferido era Dorme, Pretinho do autor Sérgio Capparelli. Esse poema foi um tapa na cara! Como podia um menino tão pequeno dormir em uma cama de jornal e na rua? Foi meu despertar para a compreensão das desigualdades sociais.
A partir daí, comecei uma nova atividade: escrever poemas. Meus pais não tinham condição financeira para comprar livros aos filhos, então, minhas leituras, para além das obrigatórias nos livros didáticos da escola, eram os meus próprios textos, que guardava até pouco tempo, registrados em um diário.
Certo dia, uma professora, ao perceber meu fascínio pela leitura, me indicou uma biblioteca de outra escola pública, localizada no bairro em que eu morava, a escola que eu estudava não tinha biblioteca. Como era muito nova, dependia dos meus pais para visitar tal local, então, essas visitas ocorriam apenas quando tinha algum trabalho escolar para fazer. Eu fazia o trabalho bem rapidinho e aproveitava que estava ali para pegar alguns livros com os contos e poemas que gostava, mas não podia levar para casa.
Para ampliar minhas possibilidades de diversão, já que ler era uma diversão pra mim, qualquer trocadinho que eu ganhava, juntava e ía em uma revistaria comprar um livro, que na época, por volta dos anos 2000, era comercializado pela revista Recreio, que lançava em valor promocional pequenos livros com a história do Brasil, a fauna e flora da Amazônia, entre outros. Nessa época, eu estava com 10 anos de idade.
Aos 11 anos, GANHEI meu primeiro livro, esse não era cedido pela escola, dessa vez, não teria que devolver. Era um livro voltado para adolescência, chamado Coisas que toda garota deve saber. Li o livro inteiro em uma noite, assim que cheguei em casa.
Não sei se começou com a leitura desse livro, ou se no meio do caminho algo aconteceu, mas a partir daí comecei a ter gosto por livros escritos por mulheres e por um bom tempo minhas leituras eram apenas de livros escritos por autoras. Minha escola, já possuía uma pequena biblioteca e lembro que gostava muito dos livros da Cecília Meireles e principalmente da Clarice Lispector. Esse gosto perdurou até o término do Ensino Médio, quando já trabalhava e podia comprar meus livros.
No Ensino Médio, a coletânea destinada ao vestibular das universidades públicas de Goiás, ampliaram meu repertório literário e pude perceber que além de poemas e contos nordestinos, eu gostava muito de romances de suspense e mistério, percebi isso com a leitura do livro A Confissão de Flávio Carneiro. Sem perder os gostos antigos, outros dois livros que foram marcantes nesse período pré-vestibular, foram o Santo e a Porca do Ariano Suassuna e Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres da Clarice Lispector.
Da faculdade até os dias atuais, como professora e mestranda, minhas leituras obrigatórias e aquelas do pouco momento de “lazer”, estão voltadas para obras de cunho marxista, de autores da área da Educação Física, Sociologia e Educação que discutem a temática corpo, educação física e educação com base no materialismo histórico-dialético. Às vezes, com uma frequência mínima em comparação às leituras obrigatórias à minha profissão e escrita da dissertação, leio livros um pouco diferentes da temática citada anteriormente, mas que de uma forma ou de outra são obras com base na realidade e na luta de classes. São obras voltadas para o feminismo que retratam a lutas das mulheres ou mesmo o Ser mulher (base filosófica e/ou fenomenológica). Foram lidos recentemente: Outros jeitos de usar a boca de Rupi Kaur, o Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, A Velhice de Simone de Beauvoir e Memória e Sociedade – Lembranças de velhos de Ecléa Bosi.
Outro livro lido recentemente foi 50 poemas de revolta, da Companhia das Letras.
Após fazer esse relato, percebo que boa parte do que me constitui enquanto Ser, dentre minhas crenças e subjetividades, dialogam com as leituras que realizei. Sob esse ponto de vista, não sei dizer se sou aquilo que leio ou se leio por aquilo que sou. Penso que seguirei sem saber.
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